sexta-feira, dezembro 08, 2006

POEMAS ETERNOS AO VENTO


À Neftalí Ricardo Reyes Basualto (Pablo Neruda).

Os ares madrigais que varejam o atlântico, dizem, poeta,
de seus disseminados ventos, andinos, cegos, ressonantes,
ventos que percorrem prados altos, plantações de trigo,
e balançam os longos cabelos das moças índias.
Há tempos que tais ventos vagueam por liberdade, esta musa,
que, perseguida pelos infames, e almejada pelos poetas,
vive no anseio que não se finda, dos povos do americano continente.

Procuro-te, poeta, pelos charcos clandestinos, pela pátria esquecida, pelos rios, veias rubras d´aurora. Sobre igarapés, voam colibris e maritacas, buscando o néctar e os grãos.
Os visionários, seguem em direção ao poente.

Faz-nos falta o poeta da fome e da chuva, o poeta dos estios,
da crepuscular dinamite, o pavio, o poeta das visagens telúricas da noite, alpinista dos altiplanos de versos solares e sombrios.
Saciedade é a palavra que te revela no alimentado sentimento hermano. Vida que cantastes em odes cheias, à labuta nas minas de cobre, estanho e carvão, cantastes na canção do sal, nunca hermético ao sentir dos injustiçados. Teu poema argila modelando a vida, processando no desejo da luta líquida e contínua, é servido em arpejos de anjos, para a consumição existencial.

Diz-me, poeta de Antofogasta e de Parral: Que diz a tua meia-noite profunda? Tenho chorado, tenho chorado! Teu povo americano,
já é hora, quer de novo canta-lo numa ária, como pluma atonal,
um canto que enseja o poder de alcançar-te nas plagas do ateu firmamento em que habitas o teu poema eterno.

Levar-te em passeio, do Chile às Minas Gerais, em visita a outro poeta,
de outra tragicidade e de alma mineral como a tua, plena de ferro e nuvem. Retirar-te, um pouco, de tua navegação no sombrio pacifico
de águas frias e perigosas, onde velejas como gostas, guardião de fronteiras do Ethos latinamericano em formação.

Teu barco, teu verso de serenas sedas enfunadas, nos mares canônicos
da beleza ocidental. Odisseu redivivo da esperança, deves ver de novo
os grandes condores do sul continente, aos pés da Patagonia. Estes pássaros estão descendo as paredes de montanhas de tua pátria, para selar o teu testamento de amor.

Escrevestes na consciência do tempo tuas odes, promessas de
um arrebol sem vilipendio. Ecoam hoje sobre as nuvens das sensibilidades, no farfalhar da feira de Valparaiso, na Europa Setentrional, e, também aqui no Brasil, de onde te revisito em poesia
e pensamento. Há um canto novo que todos os que quis ver irmanados, cantarão a uma só voz, toda a vida, na mesma elegia.

E devemos cantar o poeta, antes mesmo que a poesia. Vejo os ativos obreiros na zona industrial. Vem e vão à construção de casas ricas, subindo paredes nuas. Crianças correndo à sorrelfa, as mulheres livres
e as moças pudicas fervilhando pelas ruas.
Pergunto a ti, poeta: Desde quando se descobriu amando assim a teu povo? Onde mais é que se viu um amor assim, tão probo?
Um amor profundo, Isla Negra. Aquele que te esqueceu, agora te reconhece no cimo dos edifícios, cordilheiras urbanas, no lácio,
nas oficinas. Teu nome é cantado nas publicas ágoras de maio,
por gerações operarias no mundo inteiro.

Mas, nós só pudemos cantá-lo hoje, pois o Chile tricolor, mereceu o nosso esquecimento, a fuga das consciências relevantes, e esteve entregue a uma elite vil e conservadora. Morreu o Chile da Unidade Popular, quando mataram a tua presença e juventude, quando se calou
à Violeta Parra e a lira maiakoviskiana fluiu a sua toda essência,
na dor de teu povo dizimado. Morreste, tu, poeta, para ficardes etéreo
e vigilante, como a um andino vento.

Um dia, há poucos anos, a TV mostrou-nos juizes ingleses dando motivos, desde o centro do império, para crer na justiça:
O monstro do Chile perde as suas imunidades! E antes que as recuperasse, por artes da política, em nome da “normalidade democrática”, rimos, gozamos, e nosso maior regozijo, foi ver as mães ofendidas no ventre, no grito calado e no olhar triste, roubadas nas noites insones, sorrirem, sorrirem, em um muito franco sentir de alegria.

Agora, nos dizem os jornais: O maléfico verdugo chega aos seus estertores! Morra logo, tal verme, e leve sua semente para um solo calcinado, para que não corramos o risco de que lhe fique lembrança.

Desce aos infernos, carrasco! As humilhações do inglês desterro, em nada se comparam com a orfandade promovida, crianças ensurdecidas de medo, para as quais o Lacaio dos Ianques, destampou a Caixa de Pandora, obrigando-as a que ouvissem os lancinantes gritos dos pais, cantantes da humana ventura chilena.

Tomemos um vinho do Valle Central, poeta, pois a dor que durou decênios, anuncia que a nossa fraqueza não é mais do que força e virtude. Não durou, o morto-vivo, mais que tu, que perduras eternamente, poesia, mais que poeta.

Sepultemos estes tempos no eterno esquecimento, a mais humana das soluções. Nossa flama pequenina, vai agora florescer. Vem, poeta Neruda, venha ver! Acorde também a Allende, para ver o renascimento de seu amado Chile, derramando pelas cordilheiras quedas de lirismo (aonde antes só dor e desesperança), águas que vão, no coração do pacifico, encontrar com os ventos nobres de Frida Khallo, que
vem vindo, que vem vindo,desde o Valle do Yucatan, de onde
a voz da liberdade ainda nos pode alcançar.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

AS PALAVRAS AO VENTO

No artifício da poesia, a duvida
invadiu-me o pensamento:
O que são as Palavras?
Eu inquiri o Tempo, sem alarde.

Foi o Vento que mo respondeu,
sibilante e frio:
“As palavras são difusas, porque nem sempre
são claras, são furtivas como assombração.
Eu só sei que as levo pelo ar. E como arde!”.

Por não satisfeito, continuei a perguntar:
E porque se formam as frases poeticas?
Desta vez me veio a Tarde,
dizer que: “Por vezes, se vão formar
de pedras vaporosas e raras, nobres
segredos, com fulgor de revelação.
Amiúde, são seixos pobres, são apenas
falas, sem nada importante para revelar”.

A Musa, que é moça prendada, e já, a tanto,
acostumada nas artes do versejar, saída d’um canto
de sua alcova, costurava, e assim falou-me:
“Acho que são pedras/caladas (as palavras),
atiradas por um menino, e que, zunindo
sobre o lago, duas, três, até quatro vezes,
vão formando conceitos, que, inservíveis
no explicar, logo se afundam, desistentes”.
Assim dizendo, a Musa tornou ao leito.

De um lado, o Guardador de Rebanhos
pessoano, em seguida, passando rente,
com seu jeito camponês de olhar sempre
o passado, como se olhasse para sempre:
“O sentido que as palavras trazem, se
escondem no oco das nuvens que passam,
e a poesia, então por isso, não se pode explicar.
São mesmo inapreensíveis as palavras envoltas
nestas nuvens moveis, no céu, tão airosas.
Não são como verdades dispostas sobre
o lajedo da memória. São etéreos, mesmo, os
versos eternos, irretocáveis, e as mais belas prosas”.

Disse-me o Mineiro, com suas mãos maceradas
de revelar as riquezas do chão:
“O oficio do poeta, lembra-me do meu eito
de encontrar a pedra certa. Certas palavras,
escolhas, são como brilhantes. A pedra se esconde
nas entranhas, e, depois de desencavada, põe-se
à serventia de mulheres lenientes, para quem
o amor deve produzir tais provas. E não só
palavras são tais pedras, mas, também os afetos
bateados no intimo, em prenhes lavras novas”.

Na convenção sobre a poesia, que convoquei onisciente,
uma voz inda faltava, a do hirto Pescador silente:
“Vejo-as como, quando na praia, voltando o arrastão,
juntando o esforço e a dor, crianças à flor d'areia,
desenham palavras e peixes. A cena se parece
a um vivido jogo de armar. Entendo que é poesia.
No remanso do poente, há os que não resistem
ao ninar praieiro do mar”.

Mas, “Em verdade vos digo”, vociferou a Voz Divina,
em tom de justa sentença:
“As palavras não fazem o sentido que lhes quer
dar a humana e vernácular ciência.
As que são recitadas nas rezas, as dispostas num
mosaico bizantino, no adro e nas paredes das
altíssimas igrejas, ou as que estão a voar no cantochão
dos hinos piedosos, no entardecer da alma,
aquele lamento continuo, ao repicar dos sinos,
talvez me as faça escutar”.

Ao longe, ao caminhar agora mudo,
pude então, em minha idéia, pensar nas falas
dos que me habitam os poemas, eterno retorno ausente.
As palavras, as poesias (também, o olhar), são mesmo
pouco para redimir e para sonegar a tristeza, tantos ais,
e o que a morte me impõe da matéria solidão.

Na mente em vigília sem fim, a repetição das palavras
dos referidos entes, e das que me vem do passado
e do inconsciente, para construir no tempo recente,
o tardio eco da indefinição.