quarta-feira, fevereiro 28, 2007

ANJO ERRANTE

Dirte-ei: Sou o anjo errante
Que nos vales da vida vagueia
Arrastando sua mesma sombra
Ao sabor das sombras alheias.
Com as mesmas asas dobradas
Em cruz sobre o peito arfante
Sigo pela noite anjo insone
Incapaz de prover um milagre
Ido de pouso em pouso
Algo delirante e exposto
À luz de uma lua sombria.
Vago tonto condenado eternamente
Nas hordas celestiais o meu nome
Não se fala este já defenestrado.
O Deus que me sentencia
A estar assim exilado
Estando por certo ocupado
Quem sabe eu não te convido
A desfrutares comigo
Deste encontro inusitado?
Imposto me foi não ter um amor
Que seja vitimado a viver sozinho
E nem sequer me permitem
Encontrar para o corpo o repouso.
Mas se quiserdes cear amiga
Sentemo-nos no prado verde.
Ainda tenho um naco de pão
Duas maçãs tão cheirosas
Uma botija de vinho
E de ancestral esta sede.

IMERSÃO NO LUSCO-FUSCO


Alguns signos que se erguem,
Como emblemas de anunciação
Aos elementos me levam,
Gotas de chuva, torrentes,
Sementes, ventos furtivos,
Segredos de aluvião.

Quando o sol se faz presente,
No estio, carrega o vento,
E ofusca o fugaz momento.
À tona, o lusco das pedras raras,
Mistura-se ao brilho da paixão.

Se radicam os sentimentos,
Outrora, tão compassivos.
O corpo toma-se,
De cobiças dormentes.
A volição de um mormaço,
Que é prana, vital energia.
Basta o aroma ávido da terra,
E um beijo roubado a ninfa,
Que a esta lírica elegia,
Tão doce, vem alumbrar.

Oh, tais tontearias que me fazem
Em êxtase, caminhar sobre águas.
Pelo o rastro da maresia, ir-me,
Seguindo, e, no intimo, repetindo,
O heróico ânimo de uma grácil bateira,
Rompendo as tormentas no mar.

sábado, fevereiro 24, 2007

RODAR CATIVO














Os minutos se passam
quase audíveis
em refrão recorrente.

As horas se somam
plausíveis
cheias de promessa e sem nada deixar.

Os dias escorrem
entre os dedos
ceifados do calendário
e cerzidos na pele dos homens.

Os anos morrem
Amiúde
a cada manhã
retirados das pretensões gregorianas.

Como um filete no engenho d’água
os minutos, as horas, os dias e os anos
num rodar cativo, errático desperdício
incontrolável, surda repetição.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

A MULHER DO QUARTO BRANCO



Recordo quando mirava
em abandono e transe místico
teu corpo nu, puro e branco
como a beleza simples de um vôo
definitivo como a evidência da partida.

Por alguns segundos, eras a aparição
da virgem, com os pêlos à mostra
de tez tão clara, com tão intensa fugacidade
que num sopro explodias, divinal melancolia
teu orgasmo sobre a noite
reacendendo o fulgor de um pleno dia.

Como rememorar este teu corpo
lânguido e pecaminoso?
Como olvidar o teu pranto
que nos devolvia a brisa
pelas artes de uma oração
à tarde quente?

Lembro-te como um vento brando
viração, aragem, fazendo fremer
de maleita santa as imposturas
de minha lasciva carne
minha alma perdida
e os objetos
de teu quarto branco.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

A LUA NO BREU


A lua, quando nasce, é um cisco
Semente... serenata
Flutuando ao léu.
De corpo crescente ou minguante
Uma nau brincante no céu
Que navega e reluz
Entre as estrelas
Entalhes de prata
Luz que silencia no alto
Um enigma que a todos conduz.
Caminhemos, tu e eu
Em alento, júbilo de peregrino
Pela clara beleza da noite
Enquanto a lua, agora plena
Vai desafiando o breu.

Claudia Gonçalves & Ricardo Reis

PARA QUE METAFORAS?


A Alberto Caeiro

A poesia
em acorde de sinfonia
em sonhos, metaforas
nada nos fala
à tudo que importa
apenas silencia.

Só deve haver
o devido alarido
quando a verdade
da poesia
se aproximar da que
se vê na vida.

Ai, soma-se, então
um que de lirismo
uma pitada avulsa
de melancolia
e pronto, voilá:

Uma poesia realista
e altiva. Mesmo que sem
nenhum grande alarde
ainda que
para as dores do mundo
não seja a solução definitiva.

VENTO MINUANO

Se eu versejo, sobretudo,
pelo o que na terra
em lume se assenta,
é só mesmo quando
eu eu te vejo, musa e poeta,
é que, então, eu vejo tudo.

E ai, eu tento sonir o arpejo,
a prima ode, um beijo na boca
da noite, que se faz silente, silente,
quando o teu minuano venta.

E este teu vento plano,
poeta e musa, como no Mar Egeu
ao encanto das linguas mortas,
cala ainda mais o já mudo verso meu.

ATO REFLEXO

o dia
chegará
em que
o destino
imóvel
da mão
selar-se-á
na inutilidade
de um abraço.

FESTA NO CÉU


Nossos atos nos escravizam
mais do que nos libertam
pois nos fixam em um momento
um infinito de tempo, um lapso
alem da boa sorte, aquém do arrependimento.

Escravos, tambem o somos
dos desejos, a fora os atos, e estes nos torturam
e matam, como os militares
de sessenta e quatro
torturaram e mataram jovens idealistas
assim, sem nenhuma emoção.

Nossos amores são promessas vãs
de permanecia eterna, pois o mais
perto que chegamos, é de lançar olhares lânguidos
algo tristes, por sobre os muros da humana contenção.

Devolvamos nossas almas à liberdade do eterno plano.
Quiçá seremos, afinal, felizes
observando-as à voar
levando nossos sentimentos encarnados
em passaros exóticos, tuiuius, fenix, urubús
tucanos e jaburus (sim, os belos jaburús)
pois só passaros tão grandes podem arrastar nosso éter
flamas dilatadas de amar e de sofrer
até a alegria da grande Festa no Céu.

CONTRAPONTOS

o amor são os contrapontos
os inversos os signos trocados
ausente/presente que só se resolvem
nos interditos nos interditados
e nas permissividades
no alento e na contenção/explosão
no vôo da grou na queda no tempo
o tempo dilatado de um suspiro
é a eternidade!
O amor como um ente para contar-se
entre a plausibilidade da cópula
como uma condição prosaica
farsesca e a existência insistente
da poesia como língua atonal própria
aos amantes deve saber que amar
não é dimensão naturalista
é a magia a falta de fôlego enfisema pulmonar
provocado pelos suspiros de espera desta espera
inquieta incontida um pico na veia
pra fazer correr moléculas de uma alegre insânia

LINGUISTICA


A poesia é proverbial
e de grande serventia
por explicar a afeição
dotar de asas a rebeldia
aquilatar o que se vê
dar valor ao que se cria.

O amor só se entende
longe da monotonia
e o poeta tem por oficio
recolher a tais emoções
tanto que, dos confins
da terra, vai ao céu
atrás de musas quietas
em busca da parceria
das airadas Marias
sejam elas mulheres belas
sejam as feias, ou as etéreas
e, ainda, aquela tão linda
que, por augusta, passeia
num mafuá de província
em roda, no carrossel.

A mulher, por mais triste
mirrada ou pequena
é musa, e tem o seu vate
que a proclama em poema.

Ele, andarilho, vem da região
do encanto, verter-lhe o sumo
da vida, trazendo o amor por dístico.

É por isto que a poesia, em tudo que fala
amplia, faz de um simples beijo, um verso
algo muito mais do que corpo, do que sexo
do que lânguido, algo
por assim dizer - lingüístico.

SONETO DA SOLIDÃO NOTURNA

Se de um pé após o outro, em sucedâneo
Indago à que lonjuras me levam, noite escura
Passos hesitantes, infante cruzando linhas
Que do Atlântico seguem ao Mediterrâneo.

No roteiro desta servidão em que navego
Em que porto? Qual chegada a que se alcança?
Suster a infinitésima partícula de esperança
De que se aproxima o fim, interminável desterro.

Em desapego, inseguro e assim sozinho
Sem Vivaldi a socorre-me entre as Estações
Sequer viv´alma soando música no caminho.

Na derrota deste meu desiderato, seguiria em frente
Na insone noite, não deixar-me-ia vagar soturno
O amor viesse, desabrido, resgatar-me coração, corpo e mente.

TEMPOS DE CÓLICA


Caminhante neste tempo ocioso
olhar fixado, devoção demente
eterno tempo à se perder no firmamento
irrenovado, mais que sempre, recorrente.

Cruzando sendas, então, estreito os passos
em calçadas de antanho, já traçadas
à simular pistas novas, ilusões de veracidade
forças vitais de um amor, de certo, ocluso.

Inescrutável ardor, inútil/fútil vaidade
condenação virgiliana ao inferno tenebroso
de um desencontro de todo inexplicável.

Longas calçadas com furinhos no cimento
cobertas de inservíveis frutos diminutos.

Levam para onde ?

Para o nada, ali, mais adiante
nesta cidade de horizonte enganador.

Para onde me levam estes meus passos dúbios?
Passos miúdos, de meu filho, para onde?
Para onde o cavalinho de brinquedo
e a esperança imotivada de criança?

Amor e tristeza são presenças pressentidas
na letargia magnífica deste fracasso insuportavel.
Como explicar, mais que entender, perdidos passos?
E este nunca entronizado em nossas vidas?

Mas, como dói, como dói, esta cólica incurável.

AMARGO AGRADO

Não se pode ter de tudo
toda paisagem que se veja
todo agrado, toda partida de seda.

Não se compra carinho
em balcão de armarinho.

Nem todo peixe vem
no retorno da rede.

A noite nem sempre
vai recobrir um dia feliz.

Não se pode ser feliz
alem da pouca parcela
que nos é dado à conhecer
em nossa quadra de vida
devida.

A vida inebria vicia e mata
mas, mata ainda mais
o medo da vida perder
o medo da morte das coisas
é o que nos evita o viver.

São tantos os amargos engodos
tragados com desdouro
com açúcar e spirulina
junto ao fel do entardecer.

AMIZADE VERDADEIRA


Fazer amigos não é fácil
como pensas.

Não é como fazer chover
sonhos e retalhos de prata
numa cama de seda egípcia
que tu dividirias com a Nicolle Kidmam.

Não é mesmo assim tão fácil
quanto conseguir-se um amor profundo
imune às duvidas e ao corroer dos dias ruins.

Fazer amigos, de fato, não é fácil
como se pode pensar.

Portanto, mesmo aquele
teu amigo da onça
trate-o de conservar.

A FABULA DO SOL E DA LUA


O sol mudou o curso do rio,
iluminou o umbral,
vestiu-a de Kilimanjaro,
noite, sidra e marfins,
aos pés da lua depôs.

Sem dar por contas, ela dizia:
“Por mim, qualquer cousa seria”.

E por amar a lua tanto assim,
verteu-lhe para o latim,
uns mil poemas de amor.

Deu-lhe a pedra de toque,
se esponjou na salmoura,
colheu no jardim saduceu,
dentre todas, a mais bela rosa.

E, ainda assim, lhe falou a lua:
“Não cuides por mim.
À mim, compraz-me
qualquer cousa”.

Quando ficava, então,
mortiço, é que a lua aparecia.

Quando sem luz e mofino,
fêmea, ela resplandecia.

E só depois de dançar
qual ninfa no ceo,
em tal rito de alegria,
ao ouvido do sol triste,
a lua suave, dizia:
“Senhor sol, meu, tão querido.
Mal não lhe fará, entender
o que lhe digo.
Não me faltarão riquezas,
amores e nem honrarias,
porquanto minha é a dádiva
de banhar de nívea prata,
sobre o mundo, à qualquer cousa”.

MELHOR SERIA

Eu não te quis, quando viestes.
Não te prometi o Everest.
E nem mesmo, eu devolvi um amor
Que era tão lato de alegria.

Tive, de amor, o medo
E daquilo que eu sentiria
Se a ti, me fosse entregar.

Daquele amor que me tomava
A cada momento em que eu te via.

Hoje, se a tua ausência
Já não mais me aduzisse a aflição
Creio que poderíamos
Ser assim, mais verdadeiros.

Se, um dia que fosse
Tivesse me visitado a virtude
Da amorosa franqueza
O bom seria ter-lhe dito
Que sem você, invadir-me-ia
O desespero, e que
De fato, viria a tristeza
A me tomar por inteiro.

URBI ET ORBI


Pássaros urbanos em revoada
nas ruas do centro, ainda tão cheias do sol
mas, já proximo da noite
num dia de semana normal.

Vou caminhando de mocassins
sobre as pedras largas, na calçada
da Praça Quinze, depois de sair de
uma exposição sobre
o Niemeyer, no Paço Imperial.

Meus olhos que ardem
estão plenos de sólidas curvas
femininas, que pulam (as curvas)
da arquitetura, para o delineio
dos corpos, na perfeita vantagem
de, sob os vestidos, rodearem os seios
ou no mourejado balanço dos quadrís
das mulheres à minha frente.

Mas enfim, o Rio vai fervilhando
desta gente laboriosa nas calçadas
apesar do sol caliente
e eu, aqui, poeta diletante
só pensando em sacanagem.

Minha cidade me absolve
e por certo, me entende sim
e, quiça, o Brasil também
que ali na multidão multicor
já saúda-me, sorrindo
tão displicentemente
que vai renovando-se
o lirismo, que se
envergonhara de mim.