sexta-feira, dezembro 08, 2006

POEMAS ETERNOS AO VENTO


À Neftalí Ricardo Reyes Basualto (Pablo Neruda).

Os ares madrigais que varejam o atlântico, dizem, poeta,
de seus disseminados ventos, andinos, cegos, ressonantes,
ventos que percorrem prados altos, plantações de trigo,
e balançam os longos cabelos das moças índias.
Há tempos que tais ventos vagueam por liberdade, esta musa,
que, perseguida pelos infames, e almejada pelos poetas,
vive no anseio que não se finda, dos povos do americano continente.

Procuro-te, poeta, pelos charcos clandestinos, pela pátria esquecida, pelos rios, veias rubras d´aurora. Sobre igarapés, voam colibris e maritacas, buscando o néctar e os grãos.
Os visionários, seguem em direção ao poente.

Faz-nos falta o poeta da fome e da chuva, o poeta dos estios,
da crepuscular dinamite, o pavio, o poeta das visagens telúricas da noite, alpinista dos altiplanos de versos solares e sombrios.
Saciedade é a palavra que te revela no alimentado sentimento hermano. Vida que cantastes em odes cheias, à labuta nas minas de cobre, estanho e carvão, cantastes na canção do sal, nunca hermético ao sentir dos injustiçados. Teu poema argila modelando a vida, processando no desejo da luta líquida e contínua, é servido em arpejos de anjos, para a consumição existencial.

Diz-me, poeta de Antofogasta e de Parral: Que diz a tua meia-noite profunda? Tenho chorado, tenho chorado! Teu povo americano,
já é hora, quer de novo canta-lo numa ária, como pluma atonal,
um canto que enseja o poder de alcançar-te nas plagas do ateu firmamento em que habitas o teu poema eterno.

Levar-te em passeio, do Chile às Minas Gerais, em visita a outro poeta,
de outra tragicidade e de alma mineral como a tua, plena de ferro e nuvem. Retirar-te, um pouco, de tua navegação no sombrio pacifico
de águas frias e perigosas, onde velejas como gostas, guardião de fronteiras do Ethos latinamericano em formação.

Teu barco, teu verso de serenas sedas enfunadas, nos mares canônicos
da beleza ocidental. Odisseu redivivo da esperança, deves ver de novo
os grandes condores do sul continente, aos pés da Patagonia. Estes pássaros estão descendo as paredes de montanhas de tua pátria, para selar o teu testamento de amor.

Escrevestes na consciência do tempo tuas odes, promessas de
um arrebol sem vilipendio. Ecoam hoje sobre as nuvens das sensibilidades, no farfalhar da feira de Valparaiso, na Europa Setentrional, e, também aqui no Brasil, de onde te revisito em poesia
e pensamento. Há um canto novo que todos os que quis ver irmanados, cantarão a uma só voz, toda a vida, na mesma elegia.

E devemos cantar o poeta, antes mesmo que a poesia. Vejo os ativos obreiros na zona industrial. Vem e vão à construção de casas ricas, subindo paredes nuas. Crianças correndo à sorrelfa, as mulheres livres
e as moças pudicas fervilhando pelas ruas.
Pergunto a ti, poeta: Desde quando se descobriu amando assim a teu povo? Onde mais é que se viu um amor assim, tão probo?
Um amor profundo, Isla Negra. Aquele que te esqueceu, agora te reconhece no cimo dos edifícios, cordilheiras urbanas, no lácio,
nas oficinas. Teu nome é cantado nas publicas ágoras de maio,
por gerações operarias no mundo inteiro.

Mas, nós só pudemos cantá-lo hoje, pois o Chile tricolor, mereceu o nosso esquecimento, a fuga das consciências relevantes, e esteve entregue a uma elite vil e conservadora. Morreu o Chile da Unidade Popular, quando mataram a tua presença e juventude, quando se calou
à Violeta Parra e a lira maiakoviskiana fluiu a sua toda essência,
na dor de teu povo dizimado. Morreste, tu, poeta, para ficardes etéreo
e vigilante, como a um andino vento.

Um dia, há poucos anos, a TV mostrou-nos juizes ingleses dando motivos, desde o centro do império, para crer na justiça:
O monstro do Chile perde as suas imunidades! E antes que as recuperasse, por artes da política, em nome da “normalidade democrática”, rimos, gozamos, e nosso maior regozijo, foi ver as mães ofendidas no ventre, no grito calado e no olhar triste, roubadas nas noites insones, sorrirem, sorrirem, em um muito franco sentir de alegria.

Agora, nos dizem os jornais: O maléfico verdugo chega aos seus estertores! Morra logo, tal verme, e leve sua semente para um solo calcinado, para que não corramos o risco de que lhe fique lembrança.

Desce aos infernos, carrasco! As humilhações do inglês desterro, em nada se comparam com a orfandade promovida, crianças ensurdecidas de medo, para as quais o Lacaio dos Ianques, destampou a Caixa de Pandora, obrigando-as a que ouvissem os lancinantes gritos dos pais, cantantes da humana ventura chilena.

Tomemos um vinho do Valle Central, poeta, pois a dor que durou decênios, anuncia que a nossa fraqueza não é mais do que força e virtude. Não durou, o morto-vivo, mais que tu, que perduras eternamente, poesia, mais que poeta.

Sepultemos estes tempos no eterno esquecimento, a mais humana das soluções. Nossa flama pequenina, vai agora florescer. Vem, poeta Neruda, venha ver! Acorde também a Allende, para ver o renascimento de seu amado Chile, derramando pelas cordilheiras quedas de lirismo (aonde antes só dor e desesperança), águas que vão, no coração do pacifico, encontrar com os ventos nobres de Frida Khallo, que
vem vindo, que vem vindo,desde o Valle do Yucatan, de onde
a voz da liberdade ainda nos pode alcançar.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

AS PALAVRAS AO VENTO

No artifício da poesia, a duvida
invadiu-me o pensamento:
O que são as Palavras?
Eu inquiri o Tempo, sem alarde.

Foi o Vento que mo respondeu,
sibilante e frio:
“As palavras são difusas, porque nem sempre
são claras, são furtivas como assombração.
Eu só sei que as levo pelo ar. E como arde!”.

Por não satisfeito, continuei a perguntar:
E porque se formam as frases poeticas?
Desta vez me veio a Tarde,
dizer que: “Por vezes, se vão formar
de pedras vaporosas e raras, nobres
segredos, com fulgor de revelação.
Amiúde, são seixos pobres, são apenas
falas, sem nada importante para revelar”.

A Musa, que é moça prendada, e já, a tanto,
acostumada nas artes do versejar, saída d’um canto
de sua alcova, costurava, e assim falou-me:
“Acho que são pedras/caladas (as palavras),
atiradas por um menino, e que, zunindo
sobre o lago, duas, três, até quatro vezes,
vão formando conceitos, que, inservíveis
no explicar, logo se afundam, desistentes”.
Assim dizendo, a Musa tornou ao leito.

De um lado, o Guardador de Rebanhos
pessoano, em seguida, passando rente,
com seu jeito camponês de olhar sempre
o passado, como se olhasse para sempre:
“O sentido que as palavras trazem, se
escondem no oco das nuvens que passam,
e a poesia, então por isso, não se pode explicar.
São mesmo inapreensíveis as palavras envoltas
nestas nuvens moveis, no céu, tão airosas.
Não são como verdades dispostas sobre
o lajedo da memória. São etéreos, mesmo, os
versos eternos, irretocáveis, e as mais belas prosas”.

Disse-me o Mineiro, com suas mãos maceradas
de revelar as riquezas do chão:
“O oficio do poeta, lembra-me do meu eito
de encontrar a pedra certa. Certas palavras,
escolhas, são como brilhantes. A pedra se esconde
nas entranhas, e, depois de desencavada, põe-se
à serventia de mulheres lenientes, para quem
o amor deve produzir tais provas. E não só
palavras são tais pedras, mas, também os afetos
bateados no intimo, em prenhes lavras novas”.

Na convenção sobre a poesia, que convoquei onisciente,
uma voz inda faltava, a do hirto Pescador silente:
“Vejo-as como, quando na praia, voltando o arrastão,
juntando o esforço e a dor, crianças à flor d'areia,
desenham palavras e peixes. A cena se parece
a um vivido jogo de armar. Entendo que é poesia.
No remanso do poente, há os que não resistem
ao ninar praieiro do mar”.

Mas, “Em verdade vos digo”, vociferou a Voz Divina,
em tom de justa sentença:
“As palavras não fazem o sentido que lhes quer
dar a humana e vernácular ciência.
As que são recitadas nas rezas, as dispostas num
mosaico bizantino, no adro e nas paredes das
altíssimas igrejas, ou as que estão a voar no cantochão
dos hinos piedosos, no entardecer da alma,
aquele lamento continuo, ao repicar dos sinos,
talvez me as faça escutar”.

Ao longe, ao caminhar agora mudo,
pude então, em minha idéia, pensar nas falas
dos que me habitam os poemas, eterno retorno ausente.
As palavras, as poesias (também, o olhar), são mesmo
pouco para redimir e para sonegar a tristeza, tantos ais,
e o que a morte me impõe da matéria solidão.

Na mente em vigília sem fim, a repetição das palavras
dos referidos entes, e das que me vem do passado
e do inconsciente, para construir no tempo recente,
o tardio eco da indefinição.

quarta-feira, novembro 29, 2006

O TREM DE FERRO


O trem de ferro, que menino,
do Rio de Janeiro me levava,
rompia ventos com uma impaciência
que, ao fim da jornada antecipava.

Café-com-pão, piiuuiiiiiiii.
Apenas, eu ia absorto e inteiro.
O maquinista, na curva apitando.
Eu só imaginava, pois, que não existia (não se via)
nenhum maquinista, nem curva.

Havia somente o dia se dissolvendo, ligeiro.
Eu, olhando pela janela,
engolia com o vento,
o momento passageiro.

Não dava contas, na viagem,
dos contornos da serra mineira
(que recupero na lembrança)
disperso que estava,
na sacolejante monotonia da paisagem.

Súbito, como no sonho d’Alice,
o olhar se fixava na casa pobre, de taipa,
que se via no meio da planície verde.

A casa, já entrada no escuro da noite,
pela lenha que ardia no fogão,
mágica, se iluminava.

Tinha um olhar conspícuo (a casa),
um olhar de eternidade,
e vigiava o trem de ferro
em que também viajavam
as minhas conjecturas de criança, inócuas, inócuas.

E o trem, já na lonjura, com a pressa da chegada,
ainda, na curva, apitava.

CARTA MARITIMA

CARTA MARITIMA

Em matéria de amar, querida minha,
tenho, como o Pessoa, o anseio de lançar-me
do porto ao mar tenebroso e iracundo.
Na noite infinita, exilo-me do continente
e lá se vão pedaços partidos de mim,
como cartas em garrafas, aos quatro cantos do mundo.
Viverei por ai, espalhado: O tronco na Ilha de Elba,
as viceras em Maracaibo, a cabeça se estabelecendo
em África, num protetorado. Cambiantes, meus pés
tropicam entre os imbecis da beira-mar.
Hei de viver destino ingente, seguindo alhures a derrota
descrita num livro de bordo, disposta em carta náutica,
medida pelo sextante de um capitão vacilante,
perdida nau, vão quadrante.
Em matéria de amar, querida, sou levado,
pelas vagas que na praia vem quebrar.
Um seixo, concha oca, sem vida,
entre a vazante e a preamar.
Os meus horrores vem sucumbir
em um catre de asceta.
Vez por uma, uma por vez, me projeto no intolerável caos,
em derradeiro anseio de viuvez, frente às mulheres interiores.
Navego, porque é preciso, no dizer naval da precisão,
a resgatar-me das quase tormentas, e no Ártico, da fria monção.
Distingo as entonações do passado, e mais ainda, os ecos-senhores
deste futuro inexeqüível. Como um poeta penitente, esquadrinho
o destinar da viagem para a rota do perder-se.
Busco, celerado, o meu trunfo em ouro e prata,
singrando o espelho esparramado que vai refletir o céu argênteo,
desde acá, de la madre tierra, mas que, então, não nos revela
quantos são os caminhos que haveriam no mar.

NEM UM PIO

O sapo mudo
na noite sem lua:
Findo coaxar!

SOL PELA JANELA


Gato observa
O desdobrar da alma:
Tarde amena!

INTERMINAVEL CATIVEIRO


Corta o espaço e o tempo,
um canto d'África norte,
o lamento, que no Brasil,
se ouve na beira do cais.
Um canto de trabalho, um alento.
Vem de antigos canaviais.
Provêem de um escravo negro,
e este lançou do passado tal alarido,
desde o fundo escuro da senzala,
desde a funda tortura do tronco,
e que inda hoje se faz ouvir na cidade,
com o renovar de seu sentido.
Hoje, cativos tais, milhares são,
com seus corpos nus e chagas em flor.
Esquecidos pelos senhores desta nova escravidão,
estão em abandono, pelas celas das cadeias,
nos bondes/navios negreiros, nas vielas dos morros,
nos guetos, e por aí, vagueiam funâmbulos,
vendendo esfuziantes, sob a proteção
das santas armas de repetição.
Vão compondo o cenário global das guerras,
de grande poder bélico/fálico,
movidas pelo sórdido poder do dinheiro.
Todas as baixas nesta guerra
não serão mais do que negras.
As perdidas crianças negras da urbana selva.
Que são elas todas negras, é uma inegável verdade.
Aqui somos mesmo, mestiços,
para o bem ou para o mal da nossa plena latinidade.
Largados, estes pequenos cristos que matam e morrem,
sem qualquer esperança ou culpa,
vivem sem veleidade. Não passam
de inocentes, rejeitados pela cidade.
São pagãos e, reafirmo, todos eles negros,
inda que sejam caucasianos,
tementes a Deus e saxões.
Andam por ai, prenhes de pecado, e
tomados de santidade,
as nossas pequenas crianças criminais,
que não puderam ir à escola,
e nem, da mãe, ter um colo.
Então, para salvar sua alma (e vida),
expiam suas dores sórdidas,
na carregança das tantas cruzes.
Nada vale uma Democracia,
que não protege crianças,
e não as faz alvo de políticas sociais.
Uma governança de fancaria, após outra,
nada mais, nada mais.
Ao contrário, os nossos políticos (porque cínicos)
os explodem (as crianças), com seus obuses fornidos,
numa guerra trágica, fratricida, surda e muda,
guerra não declarada, guerra de extermínio
a aqueles mais pobres, e sem direitos.
Uma guerra sem Geneve Convention,
sem o glamour de um Tony Blair
ou a liderança de um Bush, sem Guevara e sem Patrick Lumumba,
sem Ho Chi Min, sequer um Glauber Rocha, ou um Maiakovski,
que lhe possa, num épico, enfatizar.
Só resta, às crianças, expiar suas dores de escória,
mesmo incapazes de salvar alguém, pelo exemplo,
com a constante visão de suas vísceras à mostra.

quarta-feira, novembro 22, 2006

A (RE) UNIÃO DO CEU COM O MAR

Andava, eu, solitário, um poeta sem vantagem,
pelo calçadão do Recreio, no domingo, um passeio,
deambulando o pensamento, respirando a paisagem.

O sol intenso desta primavera, que, após dias, voltava d’outras plagas frias,
à canícula já formava, fazendo empacar meu não-ofensivo passatempo,
para olhar e pensar no mar.Não, o pensar como um onírico território,
para qualquer poético devaneio, mas, num prosaico mergulho, com o poder de abrandar.

Fui levando o corpo, sem alívio, lá para a beira da praia.
- Que é isto, seu louco? (me repreende a razão bifronte,
quando me atiro de pronto, na água infinitamente fria).
- Queres, no choque, romper um vaso ?
- Queres ter um AVC?
Mergulhei, pensando no que eu podia querer?
Talvez, quebrar o acaso, este que une o mar verde ao céu azul,
pois as cores (sempre imaginei) são inevitáveis irmãs.
E de novo afundei a cabeça, ainda quente do sol.

Súbito, quando emergi, um susto: É como se visse um vulto,
no longe, caindo, caindo, em vôo e vertical-mergulho.

Penso que podia ter tido uma visão de atavismo,
tanto que, míope, duvido desta vista que inda apuro,
e reage ao tonteio do mar.

Se o sol, que lá ia no alto, tinha seu jeito próprio de ofuscar a visão,
havia também o frescor, que fácil, poderia, no delírio do prazer e da fé,
iludir e comover, para que a mente humana, pudesse ver mais do que é.

Mas, eis que meu olhar parado, n’algum ponto de alem-mar,
fez-se infesto ao ceticismo cartesiano de minha mente, descrente,
e no mistério, neófito, pude ver a gaivota, artesã laboriosa,
mergulhar seguidas vezes para desfazer o meu mal-feito,
chuleando o céu rasgado, reatando-o com o mar,
e tendo para o pesponteio, toda a linha do horizonte.

sexta-feira, novembro 10, 2006

O VERDOR DO LAGO

No assombro da noite, a manhã desperta e o lago, prepondera
Como um Baikal verde de poderes, refletindo afazeres naturais.
E são tantos e variados os eventos do dia, no pleno sacrifício da terra.
As aves migratórias após viagem branda, fazem libações nos ninhais.

Há o grasnar de aves-gralhas, biguás buscando alevinos em tara,
Os pernaltas grous, todos ciscantes no entorno aos larvais.
As andorinhas enfrentam a rapina em defesa da cria, coisa rara.
Maritacas em estrepitoso bando, cruzam o lago. Alaridos matinais.

E ainda o verdor intenso das centenárias que ao lago abraçam.
Contrastando o teto de celeste anil, as folhas velhas e as tenras
Em uma trama-tessitura, pelos altos dos galhos, se entrelaçam.

Mas não me referisse as deambulantes formigas, nada eu diria
Posto que estas sejam tão presentes no lago, laboriosas amigas
Que sobem pelos meus pés, à beira da água, enquanto escrevo poesia.

NO RASTRO DA MARESIA

Que dizer de um tal momento apenas prenunciado
no rastro da maresia, num gemido prévio
anterior, em través na garganta?
Que dizer da vontade de flambar o melhor conhaque na tarde fria?
E do frio na barriga? Que dizer de um olhar fundo e do pecado original?
Que dizer quando no rádio uma canção, e um solo de bandoneon?
Desejo? O de vestir casimira azul
que, de tão antiga, convidaria-te a um cinema domingueiro.
Outro desejo? Apenas mergulhar no mar cinza metálico
de um balneário no Egito, ou, quiçá
voar sem destino nas asas do vento.

segunda-feira, novembro 06, 2006

SONETO DO LAGO ESPECTRAL

Extenuado, buscava o descanso, a paz e a meditação
Para obrar poemas em bucólico remanso, bem ermo da cidade.
Fui parar em terra (depois o soube) de ancestral assombração
Frente a qual, pouca monta faria a urbana veleidade.

Já que ali me encontrava, melhor seria a prontidão
Deste meu torto espírito, nada afeito à deidade.
Ter em minha mente, toda a luz, mero regalo vão.
O ceticismo é sem valia, mais que a crente simplicidade.

Chegando à Casa do Lago, miríades de insetos flamejantes
Reluziam em nevoa, imersos, como em velhos pântanos da Escócia.
Vi entes fantasmáticos, tambourilos secos ouvi, e mais, silvos ciciantes.

A noite já ia densa e os sapos alardeavam os encontros espectrais,
Tanto que furtou-se-me o sono pois em vigília, no frigir desta algazarra
O medo tão só me alentava o estar vivo na aurora, ademais.

sexta-feira, outubro 27, 2006

VERTIGENS DE PAI

Para viver, não se desfaça
da sensação de vertigem.
Não desconstrua a esperança ingente.
Recupere, do amor pela mulher,
o que inda não foi de todo perdido.
Viva o que puder, simplesmente
seja ávido, ou mais, viva tudo.
Todavia, nada há de ser maior,
nem toda a paixão, nem do corpo
o ardor, e ainda que a luz do sol
no chão, reverberasse todo
calor e todo brilho,
frente a um veraz amor paternal
(o que sente o pai por seu filho),
nada é maior e não há
com o que se compare.

sábado, outubro 21, 2006

DEPAUPERADO

Afronto ao sono que me resta
e que cobiçara esticar o esgotamento.
A alcova já me preparara a cova.
Numa cabriola vivida
lancei-me da cama
e da sedução da morte
e, nu, fui aos afazeres
de um dia sem projetos.
Quem sabe, apreender
o Fox-Trote?
Este dia tributário e sem lamurias,
rende-me em suas teias de seda
e sigo pela casa recolhendo os objetos
que cairam de meu sonho
velando a minha letargia noturna.

Segui vestindo meias
mapeando pela casa
o micro-terreno
das sensações irracionais.
O tempo pacifica
este espírito que fenece
e que, as vezes, me habita
quase sempre me enlouquece.

Leio Drummond.
Participo do duelo flaco
entre o trompete de Chet Baker
e o piano de Harold Danko.

Os partidos políticos nacionais
disputam o poder pelo radio.
Marconi e a luta de classes
derrotam o meu jaz.

Volto ao aprendizado
do morrer condigno.
- Em Farewell me ensina
o mestre, um roteiro
para tal advento.

Fotos e guardados
para o lembrar esmaecido.
Livros, filhos e promessas
esquecendo/esquecido.

Amores anotados
com espátulas finas e frias
no cardo bulinoso e sangrento.
Será a vontade
de tentar o suicídio?
Os objetos, agora cênicos
pululam pelo quarto
feito em palco ardente
para o meu corpo heroico
encanecido (e abjeto)
sair voando pela janela
e se dissolver no vento
como tantos desejos perdidos
que amarelecem o rubro céu.

segunda-feira, outubro 16, 2006

EMPIRE STATES

Apoesiaconcreta
secretacom
seusumoonírico
aarquitetura
dooficio

Osdes/
versos-tijolos
aaréolaeabrita
surgemcompondo
ocimento
lírico
aoqueopoeta
queinsisteemsereterno
mestre-de-obrasraquítico
podederribarseupau-a-pique
elevantarpara
apoesia
umedifício

moderno.

domingo, outubro 08, 2006

OS BEIJOS, NEM ASSIM TÃO ALVOS

Os beijos?
quero-os todos.
Os que são de prata,
os que são beijos nobres,
aqueles, quase pobres
e os que rolam suaves,
como devem, sob a libido diamante.

Os beijos disparam
águas canoras nos rios,
fluem dos corpos no cio,
em cânticos dissonantes.

Beijos apurados, pavios,
tonitruantes e sem pruridos.
Um beijo que me leve
e um que é leve e elegante.
Que me roube o medo da morte
e tire do orvalho toda a purga
para os almejados semeares.

Um beijo de língua, natural,
que interne o alvitre no corpo
da mulher amada, e após,
a lance em perdidas clareiras na selva,
para que o lábio que se encaixa
lhe abra a fome irrecorrível
e as pernas, onde que, inteira,
entrega-se na bela alcova de relva.

É uma arte, esta, do gozo da mulher.
Cena hendonista para ser
tomada em celulóide, e
fique eternizada a imagem poética.

Só um osculo, interminável
beijo roubado a Capitu.
Um beijo que mia,
a melopéia do ano,
como estrofe de sinfonia,
Oscar de trilha em Hollywood,
um felino, beijo bichano.

Que saudade daquele beijo vão
que ateou chamas à cidadela,
qual um Nero, disparatado, algures,
tesão batendo asas no céu
em direção ao acido desfrute,
à crepitar no fogo pagão.

Um beijo de Judas,
beijo de mulher dama
do cão, beijo de musa e
do esquecimento.
Ou, um beijo poema, destes
que não se comparam
com qualquer figura plácida
em hiperbólica contemplação.

Versos/beijos, varando a pele fina da noite.
Tenho meus versos tão grávidos de desvario,
que acendem e iluminam de azul
com os orgasmos, os archotes em
uma taverna onde se toca blues,
aqui ou em New York,
ou, os lampiões nas esquinas
das ruas tão ermas deste bairro.

TANGO VOLVER


Ao longe,
Campeando plagas
Em bom tordilho,
Desde a portenha estância,
Ei-lo que aqui se apeia.
Sê bem-vindo,
O que se foi e agora volta,
E entre os seus,
É recebido em relevância.
Acolhe-o em abraço,
Toda pompa e circunstancia,
Na precisa hora em que
O poema já se entorta.
Ao vir à praça,
No nascer da rosa publica,
Cruza as aleas
De flores vãs, na avenida
Quando se vê o advento,
Regresso eterno,
Et por cause, vence
Lirismos de toda gama,
Construindo a poesia
Que caminha sem ter termo.
E, já de volta, o que
Vai-se e o que vem vindo.
Ou então, num ai,
O sentimento sobe ao tino
E a emoção desencadeia
A verve solta,
Na alegria desvairada
De um menino.
Que o saúdem e o velem
Em canto antigo,
Quando se vê na fonte orgástica
E urbana, o verter-se d’alma,
E a densidade de um amigo.

sábado, outubro 07, 2006

GAZAL DE APRENDIZ

Quisera ser como queres,
Um ser perfeito e feliz.
Iria, tão pleno de haveres,
Movido por força motriz.

Cinético, em tais projetos,
A me perder, por um triz.
Fincando raízes por nada.
Jamais esculápio, eterno petiz.

Mas, hoje sei, poeta sou convicto.
E bem mais do que se prediz:
- O ente perdido no mundo,
Seguindo, por tudo, infeliz.

Dirte-ei, neste gazal quebrado,
Ou é a espectral sombra que me diz,
Corrigindo este meu vaticínio,
Pois, tu és minha musa e sorris.

Faz-me ledo alumbrar o lirismo,
Neste oficio de aprendiz.
Pode-se tudo, ou, se então, nada posso.
Valeu ter tentado as coisas que eu fiz.

Baldadas mil e uma verdades,
Ao íntimo, algo na poesia me diz:
- Que só tem apego à plena vida,
Quem continuum reinventa o mundo,
Quem, vagando, da terra ao limbo,
Vai muito alem de Cadiz.

terça-feira, outubro 03, 2006

FLOREIOS


As flores nos desvãos
são desvios,
desnovelos, desvelos,
desvarios,
as flores rés do chão.

São floreios
ao céu, ao espírito,
flores de libertação.

Cativas belezas, eternas e mudas
as flores de pedra.
são as flores ao léu.

As flores são cores sobrepostas.
As flores rotas ou vivazes,
enfileiradas e mortas.

As flores retas
são as flores
ainda mais tortas.

Flores da diva, flores da vida,
flores dádivas, flores cápsulas,
flores do embuçado, do enforcado,
são as Flores do Mal.

ESCREVIR

Escrever
é ver
e crer
é verter.

Viver
é ler
o devir.

EM ACALENTO


Se turva é a fonte de teus olhos mareados,
E o ardor, então, negritude perene,
Fulge impávida tua bela figura,
Musa fugidia, derradeira e plena.

Se a floresta é prenhe de naturais dádivas,
Sede, mulher, etérea pluma insone,
A ponte mínima à superar abismos.
Purgue, mulher, os seminais de teu imortal ciúme.

Senão, cumpre a dor o lugar da morte e da vida,
E a morte é pouca em tal vaticínio, diante do negrume
De tão sórdida pena, calcinando as intenções,
Qual pálida erva em chão de betume.

Persistente viandante sigo em busca,
Nesta senda do amor fundo que é vergasta,
Quão maior e verdadeiro se acerca,
Desenovelando a dor que ao corpo custa.

Oh, musa intensa! Com teu brilho de Acaçás,
Cravas no meu intimo a adaga triste quando esfumas
Tua solerte leveza, duração matinal da bruma.

Quando a alegria pálida se desfaz, o infame aperto,
Quase sempre, ao peito trava.
Oh, musa intensa! Meu amor por ti como bálsamo,
Queria à curar teus queixumes, em mim curar a vida.

Farol em teu olhar, guiar meu rumo.
Um sentir fecundo transposto em lume.
Quedar-me em teu colo, em acalento, na paz de um lago,
Como em sonho, acompanhando sem pensar o perfeito plano,
A eternidade intocada de um momento.

AL MARE

O mar?
Não é só o mar que percebo.
É o mundo que ele abraça e rega.
São as temperas lunares que o prateiam,
o rondó dos pássaros, os linimentos
e as algas, que nos trazem as ondas,
além delas próprias, vagas autócnes
e dessemelhantes.

Os mares?
São todos os ares que nos cercam
e não só por serem mares alheios,
mas, também por serem mares-anseios,
em nossos olhares, mesmo os
de curto alcance, com pretensões de horizonte.

segunda-feira, outubro 02, 2006

DIABRURAS

Meto-me
sob o percal de seda,
com a perdida sede de incubo,

na maldita incumbência da copula.
Minto-me.
Sina de impertinente,
como um diabo lascivo
que se atira.

Sigo
um devir
desistente,
e mais,
sem saber o motivo
para uma tal mentira.

POEMETO SOBRE O AMOR

O amor, quando acontece,
pode ter a genética de um tornado,
arrasador e insólito.
Mas, há o que amarelece
no sorriso do rapaz, e o que,
no esperar da moça, empoeira-se.
Que pode ser de acontecimento,
mesmo marcante e tão forte,
como um sentir de gosto, que,
ainda assim, é de tal fragilidade,
que nasce musgueando
pelos cantos das ruas,
dentro dos becos da cidade,
na relva das tundras,
no charco das várzeas,
e que a tudo toma conta,
qual uma hera de parede?
É preciso proteger
tal sentimento fragil,
do impiedoso jardineiro, que,
senhor da razão,
mora num estóico rancho,
lá no fundo do bosque sombrio
e sempre vem a lume aparar
as ramagens novas
de um coração descuidado.

OFICIO DE VIVER

A disposição dos espaços,
O burburinho ativo
Das borboletas corais,
O paciente trabalho dos besouros,
Que a lenha vão roendo aos nacos.
Pelas servidões, nos caminhos,
Nas aleas aceradas, pelas relvas,
Sorvem os passarinhos
Para o seu canto matinal,
As gotas de orvalho,
Reminiscências da noite.
O filhote gorjeia no ninho
No alto de um pé de pau.
Um balido gesto, seja, um ato,
Introduzindo na cena diária,
O princípio do entardecer,
Pela sinfonia gutural dos insetos,
Grilos e cigarras, para ser exato.
Ao céu, corta-lhe o vôo planador
Da seriema, olhos de lince,
Caçando a cobra buraqueira.
No longe, as crianças brincando
E celebrando a vida inteira.
E o dia, então se exerce
De um modo pluriforme,
Sob o impacto da perfeição
Daquele único momento.
Não há tragédias, nem dor,
Também não há crueldade,
Nem anulação dos sentimentos,
Nesta forma do natural desdobrar
Seu destino de ocorrências.
Dado fosse ao homem
A virtude alcançar, em
Seu ofício de viver,
Fincaria, este, seus pés no barro,
Deixando a vida acontecer.

domingo, outubro 01, 2006

A IBIS

Porquanto não sou um semideus,
simples homem sou,
e com toda falha.

Meu corpo, vagando, vai sem rumo,
para a prova se aprumando.
Com arpejo e linimento,
fui subir o Monte Olímpo,
e, desde a cimeira nevada,
conduzi meu pensamento,
para o vazião, pra o nada.

Efetivei o tento e quedei-me exausto,
muito embora, a tempo, cavo,
e já, em plenitude.

Mortal, retomei a carcaça rude,
para, num canto pagão,
tecer loas à humanidade.

Súbito, na flor da pele,
pude sentir o ciúme
das sensuais deusas helênicas.

Derrotado, acedi ao enlaces
destes amores, mesmo
temendo os ardores
do fogo ativo do Hades.
Foi prazer de trovoada,
o estar assim com tais musas.

Sei que, no êxtase apurei
e pude ouvir o mavioso
canto da Ave-Ibis,
quando, ao romper-se
o audível himem da Aurora.
Por leito, extasiado, tomei os contrafortes
das serras, quando todo o céu se avermelhou.

sábado, setembro 23, 2006

AVES DE ARRIBAÇÃO


Olhando para as mãos de minha mãe,
iguais as de outras mães, com seu
rosário de dedos, cruzados, alongados,
frios e dolorosos,
acudi que eram como pássaros,
destes que já não voam mais.

Quem sabe o sorriso (que não se explica)
de uma mãe, de todas as mães, em todos
os tempos, seja o que de mais concreto
transforma a noite,
no palco para um desejo de voar,
incontido e sem sentido.

A POESIA É VIRTUS

Desde safo, um eco eterno
a repetir a latomia,
indaga ao vate:
Mas, de que carne se comporia,
o corpo leve e ancestral da poesia?

Esta arte se constitui
(diz o esteta) da grave essência
vindo, e do que flui na medula,
a espinha tesa e quase reta.

Um ato primal, como no sexo
em paridade corporal,
que humaniza e tem seu ápice,
antes de se dissolver no chão.

E dali, após o primeiro plano,
levanta o homem um patamar,
a propor a nova meta.

Assim, também a poesia,
em seu devir de honrar,
como um arauto da anunciação.

A novidade é:
O mundo novo esta por vir!
(o poeta grita por toda a cidade).

Se o arranjar do poema
cuida de espalhar no ar um tal amor,
este se vai, mas vive-se, então, um aí,
um dolente aí, de angustia extrema.

Mas este é um ái que não suprime,
antes, incorpora toda a dor.
Com o inteiro corpo, mais eu perscruto,
do que vejo toda a intensidade do poético desejo.
Como pode a mudança em tais coisas,
ser expressão de vivencia?
A Deusa Fortuna, procede, socorre,
vindo em cuidado à nossa valencia.

E diz: Que, então, vigore a fibra óssea,
junto à estrutura medular.
Pulo de tigre, passo puro de dança, perfeito,
rodopia à bailar a paixão do poema/criança.
Poema que nada ouve, ou mais,
nada fala, mas que não se pode aquietar.

quarta-feira, setembro 20, 2006

ODE A MELÂNCOLIA

Fulgem, com seiva, as tenebrosas pragas,
Que levam por artes sórdidas,
Para o longe, a serenidade.

Fulgi a tortuosa
Sensação de morte,
Quando desiludida, inebriante rosa.

Fulgi o corroer viril. Alma e corpo
Em rasa mistura, lama árida.
A dura e seca estuporação da carne,
Tornada em pó, na sequidade da vida.

Fulgi a torpeza e a loucura,
Ainda, um rematado dibujo.

Se não bastou o amor e o cuidar vigil,
A quem cabe a honra que não pode ser devida?

Pois de amor, este mal dito-cujo,
Jamais se faculta o viver, assim se vê.

Só, deriva-se, da terminal tristeza,
Se o filho amado, um ente-passarinho,
De melancólica maneira, salta do arvoredo
E se vai do ninho, que, se não era muito,
Era um tanto, pálido construto do aconchego.

Fulgi sobre as sinas, pai e filho.
Morre sob meus pés, a ilusão.
Ingratas penas e todos os seus horrores,
Rogados por quem, de ruinosa, se destrói,
Nas labaredas dos avernos inferiores.

Ai! Que resplendor dos atrozes enervares.
Ai! A inconsciência a responder sobre o silencio.
Como, então, não ter mais certezas rudes,
Do que sejam, do mal, os genuínos semeares.

O sentimento que passeia em tais pomares,
É o tal ardor, corrosivo, do tortuoso mundo.
Na obscura e incompreensível nodoa do poente,
Um tal amor que é decaído e tão sem fundo.

Então, o que se abriga no peito é mesmo a dor,
Que remete o corpo psicótico ao gesto balouçante,
Que, no ímpeto, vai para traz e vai para frente,
Promovendo a ambição sediciosa e suicida
Do espocar de um coração, pretenso nada,
Irrequieto, dentro de um peito já doente.

terça-feira, setembro 19, 2006

ARTIGO INDEFINIDO

Concretude e disparidade.
Acrósticos e afluentes.
Margens de erro,
seres torpes,
bestiários.
Inclinação
para o mal.
Amores,
ardor
e sodomia.
Cristianismo,
sorte na vida,
esquecimento.
Dor e expiação.
Tentativa e erro,
atropelamento e morte.
Em fuga, a omissão de socorro.

A COMPOSIÇÃO

A chuva cai, incontinenti,
sobre as horas cinzas, latentes,
espalhadas pelo vento,
cavalo desembestado.

Os pingos de chuva, caem
como gotas de remorso.

Quando nasce o dia,
se ampliam os enigmas da noite.

A luz do sol esconde
a forma arrependida
do colibri,
recomposta na
composição poética.

O som das palavras,
a força natural dos ventos,
o vinho verde, a ruína, o abrigo,
a tinta no teto, o reboco,
o concreto pensando, a arqueologia
perfeita dos principais eventos da existência.

BELO HORIZONTE

Quero de ti, apenas,
as noites brancas de sereno
e abandono,
como em Dostoievski.

Os beijos roubados
no descuido da castidade.

As naves de igrejas intergalácticas.

A mitologia arcaica e triste de tua verdade.

A tua longínqua paisagem.

Esta lua de folhetim.
e este intenso tremor
de frio e de pecado.

SER SÓ

Solitário.
Solicitude.
Sertão.
Sentimento rude.
Sortilégio da vida.
Sorte léxica
e acaso.

Sorte e lixo. Azar.

SONETO DA COTOVIA

Foste minha, tão intensa e pura,
a Deusa Íris quando a aurora anunciava,
desdobrando a madrugada de ventura,
raiava o dia em teu sorriso, a namorada.

Amei-te tanto, como podia a alma dura,
tenho-te ainda na lembrança orvalhada,
qual ninfa ébria, de voluptuosa ternura,
flor fugaz, desabrochando apaixonada.

Não mais percebo-te, a suave cotovia,
arrulhos tênues e a delicada plumagem.
Não mais te vejo fitar o céu, feito em miragem.

És a gaivota que o amor em ti previu.
A plenitude, levas ao alto, voa sem peias.
Terás um ninho, em praia cálida, de brancas areias.

A PANDORGA

A pipa cavalga o vento,
impaciente, impossível,
transcendendo a solidão
da cidade clara.

Artefacta. Papel de seda,
armação de taquara,
e mais,
um pouco de grude,
em nada ela é cara.

A pipa,
turbilhonando,
empinada ao vento,
como bandeira tremulando
sobre a favela.

Vai, ali, costurada
alma de menino.

segunda-feira, setembro 18, 2006

TRAIÇÃO

Minha mente engaiolada,
programa uma baita traição:
Bater asas para o longe
e sumir no lume, ao léu,
tal qual pomba verdadeira,
que transpõe dunas infindas,
e, além-mar, muito mais alem,
alem-fronteira.

Deixar-me-á, a minha mente,
assim tonto completo,
parado ao pé da janela,
mirando com velas acesas,
entre perdido e perplexo,
ao debandar de minhas certezas.

OS MENDICANTES


Quando o adensar da noite nos convocar,
saídos estaremos de todos os cantos do dia.
Iremos em procissão, romeiros submergidos,
atores de vaudeville, atuando nos pequenos atos
da pequena cena sórdida, ratos, bebedores
contumazes, rábulas das causas perdidas,
tristes poetas da incomunicabilidade,
pardos profetas do fim do mundo,
parvos senhores do relento,
cabonarios derrotados,
prostitutas devotas,
ao abrigo de bares turvos.

Quando o adensar da noite
nos trouxer a lua, e esta, sobre nós
lançar uma luz muito fria,
a bela lagoa, então, mais se adornará
de brilhos, reflexos de pirilampos
e de estrelas, e então, teremos a
riqueza sem fim de uma noite comovente.

A cachaça aquecendo lembranças
e afastando o medo. Por hino, uma
musica qualquer de animar/chacoalhar os ossos
(não uma destas musicas de corno).

Seguiremos, tropeiros, o rastro da fome
e da sede, no chão tornado púrpura
pela luz da lua cheia. A dor ardendo
no olhar fixado num ponto de fuga,
a perspectiva dispersa no ar encorpado
pela penumbra da maresia.

Juntos, clouchards terminais,
marcharemos sem glamour e sem quartel,
até a inviabilidade triunfar sobre o cinismo.

INVENTARIO

Os passos,
pensados
como galantes cavalos.

As penas,
arrastadas sinas.

As perenidades
servidas em copos de prata.

As sedes,
imaturas e já saciadas.

As turfas
de beira de estrada,
deixadas ao sol,
espelhando o meio-dia.

O corpo
ainda luzidio,
no crepúsculo da inocência.

A liberdade,
vergasta,
traduzida em abandono.

Retardatário
em seu tempo,
um homem e sua
improvável bagagem.

NADEGAS

Ancas, pancas em Salamanca.
Amor de curvas e carnes fartas.
Teu corpo, poesia, em devoção franca,
faz-me lembrar de Florbela Espanca.

Vinhos, adegas e Degas.
Depois do amor e da arte
não fica nádegas para consolar.

domingo, setembro 17, 2006

AMBROSIA

Em procura arguta, diligente e desperta,
pus-me ao encalço do elemento vigil,
para descrever-te melhor,
amor, da forma certa.

Inicia-se à maneira dos poetas, o tal relato:
Subitamente, a trovoada trovejou,
e no clarão, tu te revelas em todo fausto.

Eu, esfaimado de tua rica ambrosia,
tua beleza, parte prima do tempero,
que, com devoção, provarei em afasia.

Torna-me doce o prazer de existir,
vinho melífluo de sorver inebriado.
Sinais vitais, estou voltando a emitir.

Cozinha ibérica - poeta, mais que Emir.
No tacho de flandres, aos condimentos, misturar.
O rosmaninho, a avelã e o alcaçuz...
Em tais sabores eu me ponho à te sentir.

NUVENS QUE PASSAM

Fugaz.
Não há mal que sempre dure.
As nuvens negras se espraiam
ao primeiro vento sudoeste,
por mais indecifrável o horizonte.

Tênue.
E inda assim o sol e o dia
se apresentam aos viventes,
quão mais longa a noite
na rua dos queixumes.

Inexorável e suprema
é a vocação da vida,
sobre a sisudez da morte.

Perene.
Não há bem que sempre seja.
Mas...este já é outro poema.

A MORTE EM PAZ

Chega de viver mortes insignes,
acumpliciadas ao sofrimento.

Basta da anunciação ingente,
desta verdade dura, sonora,
de pedra. Penitente.

Termo à esta merda de vida inglória.
De saber e nada fazer para dis-ser/desdizer-se.

Nunca se esqueca de portar a morte na algibeira,
mesmo mofino, mesmo que morte em vida,
ou mais, como a evolução de uma porta-bandeira,
Parangolé, Arte Profana, em plena Festa do Divino.

E que se aborte esta morte da hora de/vida,
para não se dever tanto, que na hora da morte,
não se tenha como pagar para o morrer em paz.

CIÚME

Te convidei ao gesto dilatado,
uma opereta esférica,
ninfa no campo de flores,
um romance perfumado.

Te quis amor e alegria.
Fez-te ciúme, fez-te tormenta e dor.
Ira de Orestes cobrindo o meu dia.

DA VIDA DAS COISAS

À sombra da noite: Mimetismo.
Perdem, os objetos, as suas formas seculares
e o sentido.

Perduram diáfanos,
fantasmagorias,
simulacros em desacordo estético,
sem simetria e culpa.

São pequenos vínculos,
oratórios pagãos
em densa conversação,
como carpideiras
na madrugada.

As cadeiras se revelaram,
à muito, lânguidas senhoras inglesas,
estruturas descarnadas de assento e pausa.

As mesas, instauradoras, conciliares,
são reptos de fausto e acórdão de milênios.

Os sofás, pedantemente alheios,
em pompa de estofado principal,
são tutores de furtivos segredos
e sorrisos reveladores.

Nas camas, a alcova e o destino final.
Campas pilulares e treino mortuário.
Territorial da lascívia, prazer e enternecimento.

De utensílios do dia, quedam-se entidades
de um sonho noturno e veraz.

Um raio de lua que ilumine o umbral da casa,
desvela o sentido tomado da vida e da morte,
na vida secreta das coisas.

ESPELHO DO TOUCADOR

Quando uma mulher se solta,
e aos seus cabelos longos,
algo acontece de se ver.
De se ver, não de se tocar.

É que o mundo se acende no ato,
e, luminescentemente, clareia,
aplacando-se à qualquer cizânia,
quando a Penélope se penteia.

Dá-nos a vida um fugaz momento,
no vislumbrar da mulher
aos aprontos para o adormecer.

Não é o corpo, receptor de todo engano,
nem a noite, suave fim da chegança,
mas, sim, o gesto da mulher ao toucador,
um dar de mãos displicente, lânguido e lancetador,
deslizando seus dedos pelas melenas.
Este sim é um sublime alumbramento
que nos conduz à idéia de perfeição,
à qual costumamos olvidar.

O CREPÚSCULO

A tarde venta livre um resto de sol.

O anoitecer é uma doce transição à penumbra,
que chamamos de – A tarde!

Constantemente, ela cavalga a vermelhidão
e deixa a alma da gente plena,
como uma mulher grávida,
ou arisca, como uma mulher da vida.

DEUSES DA POESIA

Queria arvorar-me
em assuntos inumanos,
e dar contas de todas
as candentes vontades,
desde as pequeninas,
as mais simplórias veleidades,
às que atendessem aos meus
tantos, e mais planos.
Queria contentar-me,
com as comezinhas verdades.
Mas o verbo se fez carne
e habitou entre nós.
E tantos são os deuses,
deusas e musas compassivas,
em vital disputa
pelo meu bem-querer,
que, por vezes, nas estradas
andando a esmo, desejaria,
então, ama-los poder.
Com a alma no lusco-fusco,
feliz e inebriada, eu dedicaria
de bom grado, deuses tão bons,
ao dispor da lira da poesia.