sexta-feira, dezembro 01, 2006

AS PALAVRAS AO VENTO

No artifício da poesia, a duvida
invadiu-me o pensamento:
O que são as Palavras?
Eu inquiri o Tempo, sem alarde.

Foi o Vento que mo respondeu,
sibilante e frio:
“As palavras são difusas, porque nem sempre
são claras, são furtivas como assombração.
Eu só sei que as levo pelo ar. E como arde!”.

Por não satisfeito, continuei a perguntar:
E porque se formam as frases poeticas?
Desta vez me veio a Tarde,
dizer que: “Por vezes, se vão formar
de pedras vaporosas e raras, nobres
segredos, com fulgor de revelação.
Amiúde, são seixos pobres, são apenas
falas, sem nada importante para revelar”.

A Musa, que é moça prendada, e já, a tanto,
acostumada nas artes do versejar, saída d’um canto
de sua alcova, costurava, e assim falou-me:
“Acho que são pedras/caladas (as palavras),
atiradas por um menino, e que, zunindo
sobre o lago, duas, três, até quatro vezes,
vão formando conceitos, que, inservíveis
no explicar, logo se afundam, desistentes”.
Assim dizendo, a Musa tornou ao leito.

De um lado, o Guardador de Rebanhos
pessoano, em seguida, passando rente,
com seu jeito camponês de olhar sempre
o passado, como se olhasse para sempre:
“O sentido que as palavras trazem, se
escondem no oco das nuvens que passam,
e a poesia, então por isso, não se pode explicar.
São mesmo inapreensíveis as palavras envoltas
nestas nuvens moveis, no céu, tão airosas.
Não são como verdades dispostas sobre
o lajedo da memória. São etéreos, mesmo, os
versos eternos, irretocáveis, e as mais belas prosas”.

Disse-me o Mineiro, com suas mãos maceradas
de revelar as riquezas do chão:
“O oficio do poeta, lembra-me do meu eito
de encontrar a pedra certa. Certas palavras,
escolhas, são como brilhantes. A pedra se esconde
nas entranhas, e, depois de desencavada, põe-se
à serventia de mulheres lenientes, para quem
o amor deve produzir tais provas. E não só
palavras são tais pedras, mas, também os afetos
bateados no intimo, em prenhes lavras novas”.

Na convenção sobre a poesia, que convoquei onisciente,
uma voz inda faltava, a do hirto Pescador silente:
“Vejo-as como, quando na praia, voltando o arrastão,
juntando o esforço e a dor, crianças à flor d'areia,
desenham palavras e peixes. A cena se parece
a um vivido jogo de armar. Entendo que é poesia.
No remanso do poente, há os que não resistem
ao ninar praieiro do mar”.

Mas, “Em verdade vos digo”, vociferou a Voz Divina,
em tom de justa sentença:
“As palavras não fazem o sentido que lhes quer
dar a humana e vernácular ciência.
As que são recitadas nas rezas, as dispostas num
mosaico bizantino, no adro e nas paredes das
altíssimas igrejas, ou as que estão a voar no cantochão
dos hinos piedosos, no entardecer da alma,
aquele lamento continuo, ao repicar dos sinos,
talvez me as faça escutar”.

Ao longe, ao caminhar agora mudo,
pude então, em minha idéia, pensar nas falas
dos que me habitam os poemas, eterno retorno ausente.
As palavras, as poesias (também, o olhar), são mesmo
pouco para redimir e para sonegar a tristeza, tantos ais,
e o que a morte me impõe da matéria solidão.

Na mente em vigília sem fim, a repetição das palavras
dos referidos entes, e das que me vem do passado
e do inconsciente, para construir no tempo recente,
o tardio eco da indefinição.

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