sábado, setembro 23, 2006

AVES DE ARRIBAÇÃO


Olhando para as mãos de minha mãe,
iguais as de outras mães, com seu
rosário de dedos, cruzados, alongados,
frios e dolorosos,
acudi que eram como pássaros,
destes que já não voam mais.

Quem sabe o sorriso (que não se explica)
de uma mãe, de todas as mães, em todos
os tempos, seja o que de mais concreto
transforma a noite,
no palco para um desejo de voar,
incontido e sem sentido.

A POESIA É VIRTUS

Desde safo, um eco eterno
a repetir a latomia,
indaga ao vate:
Mas, de que carne se comporia,
o corpo leve e ancestral da poesia?

Esta arte se constitui
(diz o esteta) da grave essência
vindo, e do que flui na medula,
a espinha tesa e quase reta.

Um ato primal, como no sexo
em paridade corporal,
que humaniza e tem seu ápice,
antes de se dissolver no chão.

E dali, após o primeiro plano,
levanta o homem um patamar,
a propor a nova meta.

Assim, também a poesia,
em seu devir de honrar,
como um arauto da anunciação.

A novidade é:
O mundo novo esta por vir!
(o poeta grita por toda a cidade).

Se o arranjar do poema
cuida de espalhar no ar um tal amor,
este se vai, mas vive-se, então, um aí,
um dolente aí, de angustia extrema.

Mas este é um ái que não suprime,
antes, incorpora toda a dor.
Com o inteiro corpo, mais eu perscruto,
do que vejo toda a intensidade do poético desejo.
Como pode a mudança em tais coisas,
ser expressão de vivencia?
A Deusa Fortuna, procede, socorre,
vindo em cuidado à nossa valencia.

E diz: Que, então, vigore a fibra óssea,
junto à estrutura medular.
Pulo de tigre, passo puro de dança, perfeito,
rodopia à bailar a paixão do poema/criança.
Poema que nada ouve, ou mais,
nada fala, mas que não se pode aquietar.

quarta-feira, setembro 20, 2006

ODE A MELÂNCOLIA

Fulgem, com seiva, as tenebrosas pragas,
Que levam por artes sórdidas,
Para o longe, a serenidade.

Fulgi a tortuosa
Sensação de morte,
Quando desiludida, inebriante rosa.

Fulgi o corroer viril. Alma e corpo
Em rasa mistura, lama árida.
A dura e seca estuporação da carne,
Tornada em pó, na sequidade da vida.

Fulgi a torpeza e a loucura,
Ainda, um rematado dibujo.

Se não bastou o amor e o cuidar vigil,
A quem cabe a honra que não pode ser devida?

Pois de amor, este mal dito-cujo,
Jamais se faculta o viver, assim se vê.

Só, deriva-se, da terminal tristeza,
Se o filho amado, um ente-passarinho,
De melancólica maneira, salta do arvoredo
E se vai do ninho, que, se não era muito,
Era um tanto, pálido construto do aconchego.

Fulgi sobre as sinas, pai e filho.
Morre sob meus pés, a ilusão.
Ingratas penas e todos os seus horrores,
Rogados por quem, de ruinosa, se destrói,
Nas labaredas dos avernos inferiores.

Ai! Que resplendor dos atrozes enervares.
Ai! A inconsciência a responder sobre o silencio.
Como, então, não ter mais certezas rudes,
Do que sejam, do mal, os genuínos semeares.

O sentimento que passeia em tais pomares,
É o tal ardor, corrosivo, do tortuoso mundo.
Na obscura e incompreensível nodoa do poente,
Um tal amor que é decaído e tão sem fundo.

Então, o que se abriga no peito é mesmo a dor,
Que remete o corpo psicótico ao gesto balouçante,
Que, no ímpeto, vai para traz e vai para frente,
Promovendo a ambição sediciosa e suicida
Do espocar de um coração, pretenso nada,
Irrequieto, dentro de um peito já doente.

terça-feira, setembro 19, 2006

ARTIGO INDEFINIDO

Concretude e disparidade.
Acrósticos e afluentes.
Margens de erro,
seres torpes,
bestiários.
Inclinação
para o mal.
Amores,
ardor
e sodomia.
Cristianismo,
sorte na vida,
esquecimento.
Dor e expiação.
Tentativa e erro,
atropelamento e morte.
Em fuga, a omissão de socorro.

A COMPOSIÇÃO

A chuva cai, incontinenti,
sobre as horas cinzas, latentes,
espalhadas pelo vento,
cavalo desembestado.

Os pingos de chuva, caem
como gotas de remorso.

Quando nasce o dia,
se ampliam os enigmas da noite.

A luz do sol esconde
a forma arrependida
do colibri,
recomposta na
composição poética.

O som das palavras,
a força natural dos ventos,
o vinho verde, a ruína, o abrigo,
a tinta no teto, o reboco,
o concreto pensando, a arqueologia
perfeita dos principais eventos da existência.

BELO HORIZONTE

Quero de ti, apenas,
as noites brancas de sereno
e abandono,
como em Dostoievski.

Os beijos roubados
no descuido da castidade.

As naves de igrejas intergalácticas.

A mitologia arcaica e triste de tua verdade.

A tua longínqua paisagem.

Esta lua de folhetim.
e este intenso tremor
de frio e de pecado.

SER SÓ

Solitário.
Solicitude.
Sertão.
Sentimento rude.
Sortilégio da vida.
Sorte léxica
e acaso.

Sorte e lixo. Azar.

SONETO DA COTOVIA

Foste minha, tão intensa e pura,
a Deusa Íris quando a aurora anunciava,
desdobrando a madrugada de ventura,
raiava o dia em teu sorriso, a namorada.

Amei-te tanto, como podia a alma dura,
tenho-te ainda na lembrança orvalhada,
qual ninfa ébria, de voluptuosa ternura,
flor fugaz, desabrochando apaixonada.

Não mais percebo-te, a suave cotovia,
arrulhos tênues e a delicada plumagem.
Não mais te vejo fitar o céu, feito em miragem.

És a gaivota que o amor em ti previu.
A plenitude, levas ao alto, voa sem peias.
Terás um ninho, em praia cálida, de brancas areias.

A PANDORGA

A pipa cavalga o vento,
impaciente, impossível,
transcendendo a solidão
da cidade clara.

Artefacta. Papel de seda,
armação de taquara,
e mais,
um pouco de grude,
em nada ela é cara.

A pipa,
turbilhonando,
empinada ao vento,
como bandeira tremulando
sobre a favela.

Vai, ali, costurada
alma de menino.

segunda-feira, setembro 18, 2006

TRAIÇÃO

Minha mente engaiolada,
programa uma baita traição:
Bater asas para o longe
e sumir no lume, ao léu,
tal qual pomba verdadeira,
que transpõe dunas infindas,
e, além-mar, muito mais alem,
alem-fronteira.

Deixar-me-á, a minha mente,
assim tonto completo,
parado ao pé da janela,
mirando com velas acesas,
entre perdido e perplexo,
ao debandar de minhas certezas.

OS MENDICANTES


Quando o adensar da noite nos convocar,
saídos estaremos de todos os cantos do dia.
Iremos em procissão, romeiros submergidos,
atores de vaudeville, atuando nos pequenos atos
da pequena cena sórdida, ratos, bebedores
contumazes, rábulas das causas perdidas,
tristes poetas da incomunicabilidade,
pardos profetas do fim do mundo,
parvos senhores do relento,
cabonarios derrotados,
prostitutas devotas,
ao abrigo de bares turvos.

Quando o adensar da noite
nos trouxer a lua, e esta, sobre nós
lançar uma luz muito fria,
a bela lagoa, então, mais se adornará
de brilhos, reflexos de pirilampos
e de estrelas, e então, teremos a
riqueza sem fim de uma noite comovente.

A cachaça aquecendo lembranças
e afastando o medo. Por hino, uma
musica qualquer de animar/chacoalhar os ossos
(não uma destas musicas de corno).

Seguiremos, tropeiros, o rastro da fome
e da sede, no chão tornado púrpura
pela luz da lua cheia. A dor ardendo
no olhar fixado num ponto de fuga,
a perspectiva dispersa no ar encorpado
pela penumbra da maresia.

Juntos, clouchards terminais,
marcharemos sem glamour e sem quartel,
até a inviabilidade triunfar sobre o cinismo.

INVENTARIO

Os passos,
pensados
como galantes cavalos.

As penas,
arrastadas sinas.

As perenidades
servidas em copos de prata.

As sedes,
imaturas e já saciadas.

As turfas
de beira de estrada,
deixadas ao sol,
espelhando o meio-dia.

O corpo
ainda luzidio,
no crepúsculo da inocência.

A liberdade,
vergasta,
traduzida em abandono.

Retardatário
em seu tempo,
um homem e sua
improvável bagagem.

NADEGAS

Ancas, pancas em Salamanca.
Amor de curvas e carnes fartas.
Teu corpo, poesia, em devoção franca,
faz-me lembrar de Florbela Espanca.

Vinhos, adegas e Degas.
Depois do amor e da arte
não fica nádegas para consolar.

domingo, setembro 17, 2006

AMBROSIA

Em procura arguta, diligente e desperta,
pus-me ao encalço do elemento vigil,
para descrever-te melhor,
amor, da forma certa.

Inicia-se à maneira dos poetas, o tal relato:
Subitamente, a trovoada trovejou,
e no clarão, tu te revelas em todo fausto.

Eu, esfaimado de tua rica ambrosia,
tua beleza, parte prima do tempero,
que, com devoção, provarei em afasia.

Torna-me doce o prazer de existir,
vinho melífluo de sorver inebriado.
Sinais vitais, estou voltando a emitir.

Cozinha ibérica - poeta, mais que Emir.
No tacho de flandres, aos condimentos, misturar.
O rosmaninho, a avelã e o alcaçuz...
Em tais sabores eu me ponho à te sentir.

NUVENS QUE PASSAM

Fugaz.
Não há mal que sempre dure.
As nuvens negras se espraiam
ao primeiro vento sudoeste,
por mais indecifrável o horizonte.

Tênue.
E inda assim o sol e o dia
se apresentam aos viventes,
quão mais longa a noite
na rua dos queixumes.

Inexorável e suprema
é a vocação da vida,
sobre a sisudez da morte.

Perene.
Não há bem que sempre seja.
Mas...este já é outro poema.

A MORTE EM PAZ

Chega de viver mortes insignes,
acumpliciadas ao sofrimento.

Basta da anunciação ingente,
desta verdade dura, sonora,
de pedra. Penitente.

Termo à esta merda de vida inglória.
De saber e nada fazer para dis-ser/desdizer-se.

Nunca se esqueca de portar a morte na algibeira,
mesmo mofino, mesmo que morte em vida,
ou mais, como a evolução de uma porta-bandeira,
Parangolé, Arte Profana, em plena Festa do Divino.

E que se aborte esta morte da hora de/vida,
para não se dever tanto, que na hora da morte,
não se tenha como pagar para o morrer em paz.

CIÚME

Te convidei ao gesto dilatado,
uma opereta esférica,
ninfa no campo de flores,
um romance perfumado.

Te quis amor e alegria.
Fez-te ciúme, fez-te tormenta e dor.
Ira de Orestes cobrindo o meu dia.

DA VIDA DAS COISAS

À sombra da noite: Mimetismo.
Perdem, os objetos, as suas formas seculares
e o sentido.

Perduram diáfanos,
fantasmagorias,
simulacros em desacordo estético,
sem simetria e culpa.

São pequenos vínculos,
oratórios pagãos
em densa conversação,
como carpideiras
na madrugada.

As cadeiras se revelaram,
à muito, lânguidas senhoras inglesas,
estruturas descarnadas de assento e pausa.

As mesas, instauradoras, conciliares,
são reptos de fausto e acórdão de milênios.

Os sofás, pedantemente alheios,
em pompa de estofado principal,
são tutores de furtivos segredos
e sorrisos reveladores.

Nas camas, a alcova e o destino final.
Campas pilulares e treino mortuário.
Territorial da lascívia, prazer e enternecimento.

De utensílios do dia, quedam-se entidades
de um sonho noturno e veraz.

Um raio de lua que ilumine o umbral da casa,
desvela o sentido tomado da vida e da morte,
na vida secreta das coisas.

ESPELHO DO TOUCADOR

Quando uma mulher se solta,
e aos seus cabelos longos,
algo acontece de se ver.
De se ver, não de se tocar.

É que o mundo se acende no ato,
e, luminescentemente, clareia,
aplacando-se à qualquer cizânia,
quando a Penélope se penteia.

Dá-nos a vida um fugaz momento,
no vislumbrar da mulher
aos aprontos para o adormecer.

Não é o corpo, receptor de todo engano,
nem a noite, suave fim da chegança,
mas, sim, o gesto da mulher ao toucador,
um dar de mãos displicente, lânguido e lancetador,
deslizando seus dedos pelas melenas.
Este sim é um sublime alumbramento
que nos conduz à idéia de perfeição,
à qual costumamos olvidar.

O CREPÚSCULO

A tarde venta livre um resto de sol.

O anoitecer é uma doce transição à penumbra,
que chamamos de – A tarde!

Constantemente, ela cavalga a vermelhidão
e deixa a alma da gente plena,
como uma mulher grávida,
ou arisca, como uma mulher da vida.

DEUSES DA POESIA

Queria arvorar-me
em assuntos inumanos,
e dar contas de todas
as candentes vontades,
desde as pequeninas,
as mais simplórias veleidades,
às que atendessem aos meus
tantos, e mais planos.
Queria contentar-me,
com as comezinhas verdades.
Mas o verbo se fez carne
e habitou entre nós.
E tantos são os deuses,
deusas e musas compassivas,
em vital disputa
pelo meu bem-querer,
que, por vezes, nas estradas
andando a esmo, desejaria,
então, ama-los poder.
Com a alma no lusco-fusco,
feliz e inebriada, eu dedicaria
de bom grado, deuses tão bons,
ao dispor da lira da poesia.