sexta-feira, outubro 27, 2006

VERTIGENS DE PAI

Para viver, não se desfaça
da sensação de vertigem.
Não desconstrua a esperança ingente.
Recupere, do amor pela mulher,
o que inda não foi de todo perdido.
Viva o que puder, simplesmente
seja ávido, ou mais, viva tudo.
Todavia, nada há de ser maior,
nem toda a paixão, nem do corpo
o ardor, e ainda que a luz do sol
no chão, reverberasse todo
calor e todo brilho,
frente a um veraz amor paternal
(o que sente o pai por seu filho),
nada é maior e não há
com o que se compare.

sábado, outubro 21, 2006

DEPAUPERADO

Afronto ao sono que me resta
e que cobiçara esticar o esgotamento.
A alcova já me preparara a cova.
Numa cabriola vivida
lancei-me da cama
e da sedução da morte
e, nu, fui aos afazeres
de um dia sem projetos.
Quem sabe, apreender
o Fox-Trote?
Este dia tributário e sem lamurias,
rende-me em suas teias de seda
e sigo pela casa recolhendo os objetos
que cairam de meu sonho
velando a minha letargia noturna.

Segui vestindo meias
mapeando pela casa
o micro-terreno
das sensações irracionais.
O tempo pacifica
este espírito que fenece
e que, as vezes, me habita
quase sempre me enlouquece.

Leio Drummond.
Participo do duelo flaco
entre o trompete de Chet Baker
e o piano de Harold Danko.

Os partidos políticos nacionais
disputam o poder pelo radio.
Marconi e a luta de classes
derrotam o meu jaz.

Volto ao aprendizado
do morrer condigno.
- Em Farewell me ensina
o mestre, um roteiro
para tal advento.

Fotos e guardados
para o lembrar esmaecido.
Livros, filhos e promessas
esquecendo/esquecido.

Amores anotados
com espátulas finas e frias
no cardo bulinoso e sangrento.
Será a vontade
de tentar o suicídio?
Os objetos, agora cênicos
pululam pelo quarto
feito em palco ardente
para o meu corpo heroico
encanecido (e abjeto)
sair voando pela janela
e se dissolver no vento
como tantos desejos perdidos
que amarelecem o rubro céu.

segunda-feira, outubro 16, 2006

EMPIRE STATES

Apoesiaconcreta
secretacom
seusumoonírico
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dooficio

Osdes/
versos-tijolos
aaréolaeabrita
surgemcompondo
ocimento
lírico
aoqueopoeta
queinsisteemsereterno
mestre-de-obrasraquítico
podederribarseupau-a-pique
elevantarpara
apoesia
umedifício

moderno.

domingo, outubro 08, 2006

OS BEIJOS, NEM ASSIM TÃO ALVOS

Os beijos?
quero-os todos.
Os que são de prata,
os que são beijos nobres,
aqueles, quase pobres
e os que rolam suaves,
como devem, sob a libido diamante.

Os beijos disparam
águas canoras nos rios,
fluem dos corpos no cio,
em cânticos dissonantes.

Beijos apurados, pavios,
tonitruantes e sem pruridos.
Um beijo que me leve
e um que é leve e elegante.
Que me roube o medo da morte
e tire do orvalho toda a purga
para os almejados semeares.

Um beijo de língua, natural,
que interne o alvitre no corpo
da mulher amada, e após,
a lance em perdidas clareiras na selva,
para que o lábio que se encaixa
lhe abra a fome irrecorrível
e as pernas, onde que, inteira,
entrega-se na bela alcova de relva.

É uma arte, esta, do gozo da mulher.
Cena hendonista para ser
tomada em celulóide, e
fique eternizada a imagem poética.

Só um osculo, interminável
beijo roubado a Capitu.
Um beijo que mia,
a melopéia do ano,
como estrofe de sinfonia,
Oscar de trilha em Hollywood,
um felino, beijo bichano.

Que saudade daquele beijo vão
que ateou chamas à cidadela,
qual um Nero, disparatado, algures,
tesão batendo asas no céu
em direção ao acido desfrute,
à crepitar no fogo pagão.

Um beijo de Judas,
beijo de mulher dama
do cão, beijo de musa e
do esquecimento.
Ou, um beijo poema, destes
que não se comparam
com qualquer figura plácida
em hiperbólica contemplação.

Versos/beijos, varando a pele fina da noite.
Tenho meus versos tão grávidos de desvario,
que acendem e iluminam de azul
com os orgasmos, os archotes em
uma taverna onde se toca blues,
aqui ou em New York,
ou, os lampiões nas esquinas
das ruas tão ermas deste bairro.

TANGO VOLVER


Ao longe,
Campeando plagas
Em bom tordilho,
Desde a portenha estância,
Ei-lo que aqui se apeia.
Sê bem-vindo,
O que se foi e agora volta,
E entre os seus,
É recebido em relevância.
Acolhe-o em abraço,
Toda pompa e circunstancia,
Na precisa hora em que
O poema já se entorta.
Ao vir à praça,
No nascer da rosa publica,
Cruza as aleas
De flores vãs, na avenida
Quando se vê o advento,
Regresso eterno,
Et por cause, vence
Lirismos de toda gama,
Construindo a poesia
Que caminha sem ter termo.
E, já de volta, o que
Vai-se e o que vem vindo.
Ou então, num ai,
O sentimento sobe ao tino
E a emoção desencadeia
A verve solta,
Na alegria desvairada
De um menino.
Que o saúdem e o velem
Em canto antigo,
Quando se vê na fonte orgástica
E urbana, o verter-se d’alma,
E a densidade de um amigo.

sábado, outubro 07, 2006

GAZAL DE APRENDIZ

Quisera ser como queres,
Um ser perfeito e feliz.
Iria, tão pleno de haveres,
Movido por força motriz.

Cinético, em tais projetos,
A me perder, por um triz.
Fincando raízes por nada.
Jamais esculápio, eterno petiz.

Mas, hoje sei, poeta sou convicto.
E bem mais do que se prediz:
- O ente perdido no mundo,
Seguindo, por tudo, infeliz.

Dirte-ei, neste gazal quebrado,
Ou é a espectral sombra que me diz,
Corrigindo este meu vaticínio,
Pois, tu és minha musa e sorris.

Faz-me ledo alumbrar o lirismo,
Neste oficio de aprendiz.
Pode-se tudo, ou, se então, nada posso.
Valeu ter tentado as coisas que eu fiz.

Baldadas mil e uma verdades,
Ao íntimo, algo na poesia me diz:
- Que só tem apego à plena vida,
Quem continuum reinventa o mundo,
Quem, vagando, da terra ao limbo,
Vai muito alem de Cadiz.

terça-feira, outubro 03, 2006

FLOREIOS


As flores nos desvãos
são desvios,
desnovelos, desvelos,
desvarios,
as flores rés do chão.

São floreios
ao céu, ao espírito,
flores de libertação.

Cativas belezas, eternas e mudas
as flores de pedra.
são as flores ao léu.

As flores são cores sobrepostas.
As flores rotas ou vivazes,
enfileiradas e mortas.

As flores retas
são as flores
ainda mais tortas.

Flores da diva, flores da vida,
flores dádivas, flores cápsulas,
flores do embuçado, do enforcado,
são as Flores do Mal.

ESCREVIR

Escrever
é ver
e crer
é verter.

Viver
é ler
o devir.

EM ACALENTO


Se turva é a fonte de teus olhos mareados,
E o ardor, então, negritude perene,
Fulge impávida tua bela figura,
Musa fugidia, derradeira e plena.

Se a floresta é prenhe de naturais dádivas,
Sede, mulher, etérea pluma insone,
A ponte mínima à superar abismos.
Purgue, mulher, os seminais de teu imortal ciúme.

Senão, cumpre a dor o lugar da morte e da vida,
E a morte é pouca em tal vaticínio, diante do negrume
De tão sórdida pena, calcinando as intenções,
Qual pálida erva em chão de betume.

Persistente viandante sigo em busca,
Nesta senda do amor fundo que é vergasta,
Quão maior e verdadeiro se acerca,
Desenovelando a dor que ao corpo custa.

Oh, musa intensa! Com teu brilho de Acaçás,
Cravas no meu intimo a adaga triste quando esfumas
Tua solerte leveza, duração matinal da bruma.

Quando a alegria pálida se desfaz, o infame aperto,
Quase sempre, ao peito trava.
Oh, musa intensa! Meu amor por ti como bálsamo,
Queria à curar teus queixumes, em mim curar a vida.

Farol em teu olhar, guiar meu rumo.
Um sentir fecundo transposto em lume.
Quedar-me em teu colo, em acalento, na paz de um lago,
Como em sonho, acompanhando sem pensar o perfeito plano,
A eternidade intocada de um momento.

AL MARE

O mar?
Não é só o mar que percebo.
É o mundo que ele abraça e rega.
São as temperas lunares que o prateiam,
o rondó dos pássaros, os linimentos
e as algas, que nos trazem as ondas,
além delas próprias, vagas autócnes
e dessemelhantes.

Os mares?
São todos os ares que nos cercam
e não só por serem mares alheios,
mas, também por serem mares-anseios,
em nossos olhares, mesmo os
de curto alcance, com pretensões de horizonte.

segunda-feira, outubro 02, 2006

DIABRURAS

Meto-me
sob o percal de seda,
com a perdida sede de incubo,

na maldita incumbência da copula.
Minto-me.
Sina de impertinente,
como um diabo lascivo
que se atira.

Sigo
um devir
desistente,
e mais,
sem saber o motivo
para uma tal mentira.

POEMETO SOBRE O AMOR

O amor, quando acontece,
pode ter a genética de um tornado,
arrasador e insólito.
Mas, há o que amarelece
no sorriso do rapaz, e o que,
no esperar da moça, empoeira-se.
Que pode ser de acontecimento,
mesmo marcante e tão forte,
como um sentir de gosto, que,
ainda assim, é de tal fragilidade,
que nasce musgueando
pelos cantos das ruas,
dentro dos becos da cidade,
na relva das tundras,
no charco das várzeas,
e que a tudo toma conta,
qual uma hera de parede?
É preciso proteger
tal sentimento fragil,
do impiedoso jardineiro, que,
senhor da razão,
mora num estóico rancho,
lá no fundo do bosque sombrio
e sempre vem a lume aparar
as ramagens novas
de um coração descuidado.

OFICIO DE VIVER

A disposição dos espaços,
O burburinho ativo
Das borboletas corais,
O paciente trabalho dos besouros,
Que a lenha vão roendo aos nacos.
Pelas servidões, nos caminhos,
Nas aleas aceradas, pelas relvas,
Sorvem os passarinhos
Para o seu canto matinal,
As gotas de orvalho,
Reminiscências da noite.
O filhote gorjeia no ninho
No alto de um pé de pau.
Um balido gesto, seja, um ato,
Introduzindo na cena diária,
O princípio do entardecer,
Pela sinfonia gutural dos insetos,
Grilos e cigarras, para ser exato.
Ao céu, corta-lhe o vôo planador
Da seriema, olhos de lince,
Caçando a cobra buraqueira.
No longe, as crianças brincando
E celebrando a vida inteira.
E o dia, então se exerce
De um modo pluriforme,
Sob o impacto da perfeição
Daquele único momento.
Não há tragédias, nem dor,
Também não há crueldade,
Nem anulação dos sentimentos,
Nesta forma do natural desdobrar
Seu destino de ocorrências.
Dado fosse ao homem
A virtude alcançar, em
Seu ofício de viver,
Fincaria, este, seus pés no barro,
Deixando a vida acontecer.

domingo, outubro 01, 2006

A IBIS

Porquanto não sou um semideus,
simples homem sou,
e com toda falha.

Meu corpo, vagando, vai sem rumo,
para a prova se aprumando.
Com arpejo e linimento,
fui subir o Monte Olímpo,
e, desde a cimeira nevada,
conduzi meu pensamento,
para o vazião, pra o nada.

Efetivei o tento e quedei-me exausto,
muito embora, a tempo, cavo,
e já, em plenitude.

Mortal, retomei a carcaça rude,
para, num canto pagão,
tecer loas à humanidade.

Súbito, na flor da pele,
pude sentir o ciúme
das sensuais deusas helênicas.

Derrotado, acedi ao enlaces
destes amores, mesmo
temendo os ardores
do fogo ativo do Hades.
Foi prazer de trovoada,
o estar assim com tais musas.

Sei que, no êxtase apurei
e pude ouvir o mavioso
canto da Ave-Ibis,
quando, ao romper-se
o audível himem da Aurora.
Por leito, extasiado, tomei os contrafortes
das serras, quando todo o céu se avermelhou.